quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

DIREITO x MORAL

Um tema incansavelmente abordado pela Filosofia Jurídica, abrange a questão da relação entre o Direito e a Moral, já que estes, entrelaçam-se e interpenetram-se de diversas maneiras, permitindo uma interminável discussão doutrinária acerca do assunto.

A distinção entre Direito e Moral pode ser entendida por alguns fatores que perpassam esses dois elementos. Primeiro, com relação ao Direito, podemos afirmar que o mesmo é coercível. A coercibilidade é a ação movida pela força, aquela que é obrigatória.

A moral por sua vez, é espontânea e autônoma, brotando de uma consciência coletiva, de ordem voluntária. O direito é obrigatório e heterônomo. A Heteronomia do direito consiste na imposição das regras jurídicas por terceiros, independente da nossa adesão ou opinião.

Para caracterizar conceitualmente o Direito, faz-se indispensável a explanação da Bilateralidade Atributiva, que é a representatividade da relação jurídica entre dois sujeitos de direito, passivo e ativo, que intersubjetivamente podem pretender, exigir, fazer, garantidamente, algo ao outro e vice-versa, perante a Lei, face ao Direito.

É importante ressaltar que a relação jurídica deve ser estruturada dentro de uma proporção que exclua o arbítrio e que represente a concretização de interesses legítimos, segundo critérios de razoabilidades variáveis, em função da natureza e finalidade do enlace. Como exemplo, podemos citar os contratos de compra, venda e seguros.

Analisados estes pontos, podemos então definir o Direito como uma ordenação heterônoma, coercível e bilateral atributiva das relações de convivência, segundo uma integração normativa de fatos, conforme valores.

Podemos apontar objetivamente que o Direito tem coação e visa evitar que se lese ou prejudique a outrem; dirige-se ao momento externo, físico ou ato exteriorizado; impõe deveres e confere direitos, sendo bilateral.

Por sua vez, podemos afirmar indubitavelmente que o campo da Moral é mais amplo; é incoercível; visa à abstenção do mal e a prática do bem; dirige-se ao momento interno e psíquico, impõe deveres, sendo unilateral.

De fato, na vida cotidiana, estamos constantemente cumprindo normas, que visam regular nossa conduta perante a sociedade e até mesmo, frente a nós mesmos. Há normas que somos obrigados a cumprir, ou seja, possuem um caráter imperativo, pois versam sobre condutas consideradas essenciais para o funcionamento normal da vida social. São regras que visam a satisfação do bem coletivo, o equilíbrio das relações humanas e a manutenção da ordem, na esfera comunitária, portanto, não estando sujeitas ao livre arbítrio da vontade individual. Assim, estamos situados na esfera do Direito, considerando que o mesmo impõe regras de conduta que devem ser observadas, valendo-se até mesmo da força coercitiva para assegurar o seu cumprimento.

Entretanto, há preceitos que seguimos livre e conscientemente, tomando-os como valores subjetivos para a satisfação de um bem individual ou para a realização de uma vontade de espírito. Assim, estamos situados na esfera da Moral. Não são regras imperativas, muito menos coercitivas, sendo o seu cumprimento ou não dependente do caráter de cada pessoa. Os valores morais encontram-se dentro da consciência de cada indivíduo, cabendo a este julgar o que considera certo ou errado, tolerável ou intolerável. Porém, ninguém nasce com a consciência repleta de normas ou valores, sendo estes transmitidos da sociedade para o indivíduo. Um dos principais “canais transmissores” destes preceitos é a família que nos ensina desde pequenos quais os limites entre o moral e o imoral. Contudo, como já foi citado anteriormente, depende da consciência de cada indivíduo aceitar ou não estes limites, caso contrário, seríamos como cópias dos nossos pais. É por isso que os valores morais variam de sociedade para sociedade e de época para época.

Desta forma, é importante ressaltar que a imperatividade, com efeito, é uma das balizas que nos permitem visualizar uma diferença entre as regras morais e as normas jurídicas. No caso da moral, a aceitação destas normas fica a cargo da consciência de cada indivíduo, enquanto que, na seara jurídica, há uma força externa que nos compele a obedecê-las.

Porém, o problema da diferença entre a Moral e o Direito não é tão simples quanto parece. Para Maria Helena Diniz, é na questão do autorizamento que reside a principal resposta para essa discussão. A norma jurídica é a única que concede ao lesado, pela sua violação, a permissão para exigir a devida reparação pelo mal sofrido. Autoriza o indivíduo prejudicado a acionar o poder público, para que este valha-se até mesmo da força que possui, para assegurar a sua observação. Já as regras morais não possuem tal característica. De fato, ninguém pode mover o Poder Judiciário para exigir que determinada pessoa conceda uma esmola a um mendigo, por exemplo.

É impossível falar da relação entre o Direito e a Moral sem mencionar a “Teoria do Mínimo Ético”, defendida por vários filósofos e doutrinadores do Direito. Tal teoria classifica o Direito como uma parte da Moral, ou seja, os valores jurídicos seriam, antes de tudo, valores morais. O Direito não seria nada mais que um conjunto de normas morais consideradas essenciais para a sobrevivência da sociedade. Desta maneira, apenas alguns valores morais, devido a sua importância, necessitariam de uma forma especial, transformando-se em normas jurídicas.

Cabe agora indagar se realmente o Direito limita-se a abranger regras puramente morais. É óbvio que não. De fato existem normas jurídicas que nascem de preceitos morais estabelecidos pelos costumes de um determinado povo. Mas não seria correto afirmar que todas as leis de uma região possuem conteúdo moral. Basta citar que existem normas amorais (alheias ao campo da moral) que são jurídicas (por ex., as normas de tráfego aéreo), bem como normas que tutelam fatos considerados imorais pela maioria da sociedade e que são, à luz do Direito, perfeitamente legais. É o caso, por exemplo do divórcio. O Direito chega ao ponto de, em alguns países, tolerar o casamento homossexual e a prostituição.

Mesmo com tantos argumentos e teorias sobre Direito e Moral, esta discussão sobre essa relação sempre será inacabada. Devemos, contudo, distinguir esses dois grandes segmentos normativos da vida, porém, sem separá-los em pólos extremos. Ensina-nos com muita propriedade o ilustre jurista Miguel Reale: “Ao homem afoito e de pouca cultura basta perceber uma diferença entre dois seres para, imediatamente, extremá-los um do outro, mas os mais experientes sabem a arte de distinguir sem separar, a não ser que haja razões essenciais que justifiquem a contraposição.”

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

UTI => que lugar é este?

UTI, sigla que significa Unidade de Terapia Intensiva. Vejamos o que podemos apontar sobre esse ambiente, ainda atualmente tão temido pelas pessoas, sejam elas dotadas de conhecimentos científicos ou não.

Unidade de Terapia Intensiva. Segundo o dicionário Aurélio, unidade significa “qualidade do que é um ou único, no mesmo local” e terapia “ tratamento” e intensiva, “que lança mão dos meios importantes, que exige grandes esforços”.

Quando as pessoas ouvem que alguém foi ou está internado na UTI, remete à mente a certeza de que o estado daquele indivíduo é grave ou gravíssimo. Pensa-se logo: "se não tivesse, não precisaria estar em uma UTI!!! E é neste lugar que se “lança mão dos meios importantes e que exige grandes esforços” por parte da equipe multidisciplinar!!!" E nesta mesma hora, vai ao coração a insegurança de que aquela pessoa pode não estar mais conosco a qualquer momento.

Nós que trabalhamos em UTI, precisamos estar atentos pra cumprirmos o propósito que seguramos no canudo das nossas especializações, o juramento que fizemos nas nossas graduações!!! E falando em trabalhar em UTI, será que nós neste lugar, realmente lançamos mão dos meios importantes pra aquela vida? Naquele momento, quais são os meios mais importantes pra aquele paciente, enquanto indivíduo? E ainda, será que neste lugar, que rotineiramente estamos inseridos como se fosse nossa segunda casa, damos o melhor de nós mesmos, oferecemos os nossos melhores e maiores esforços em prol do bem daquele indivíduo?

Não estou falando apenas de procedimentos técnicos, terapias, exames, medicações, suporte nutricional, assistência fisioterapêutica, ou procedimentos rotineiros de cuidados pessoais. Estou me referindo a atenção, carinho, compreensão, cuidado, amor, respeito e sobretudo, valorização daquele indivíduo como um ser e não como um órgão, uma patologia ou quem sabe várias patologias ou um número de leito. Será que os profissionais de UTI têm essa consciência e desenvoltura na aplicabilidade da sua rotina de trabalho?

O paciente de UTI é aquele que de fato pode estar grave, devido às mais diversas alterações que podem ocorrer nos seus sistemas orgânicos, mas pode estar consciente, acordado, orientado e vendo tudo o que se passa ao redor daquele Box em que está restrito ao leito. E o que será que se passa na mente desse paciente, que não sabe as horas, não sabe se é dia ou se é noite, não vê o sol, ou a lua, ou o mar, ou as árvores, mas que escuta o ruído sonoro dos aparelhos que o cercam 24 horas ininterruptas, já que está sendo monitorizado intensivamente? Na verdade, escuta os alarmes sonoros de todos os pacientes que estão à sua volta, sejam 5 ou 10 indivíduos que estão ali ao seu redor... os quais não sabem nem o nome, nem de onde vêm, nem o que tem e que nem vão se conhecer... por vezes, pacientes batalhadores pela vida, passam lado a lado, Box com Box, lutando meses a fio e nem sequer sabem que têm companheiros de guerra pela vida.... É importante lembrar que todos estão ali de passagem. A UTI é um local de passagem!!!

Os pacientes chegam e saem, dentro de um determinado período de tempo, podem chegar e passar apenas um longo dia, ou intermináveis meses. Chegam graves e são trazidos de volta à estabilidade clínica, ou chegam graves e partem pelo chamado imediato de Deus. Ou ainda há aqueles que chegam instáveis, lutam com todas as suas forças, nós que trabalhamos em prol da sua recuperação, lutamos com todos os nossos esforços pessoais e profissionais, bem como lançamos mão de todos os meios que temos e julgamos importantes pra o reestabelecimento da condição clínica daquele paciente, e eles são irrevogavelmente chamados por Deus pra partirem dessa vida pra uma melhor.

Por que estou escrevendo sobre a UTI? Poderia estar escrevendo sobre o Natal, sobre coisas boas, notícias agradáveis mais recentes... Mas quem disse que UTI não é um ambiente em que podemos viver e ver coisas boas? Na verdade, a UTI é um lugar de paradoxos. Inexoravelmente, podemos nos deparar com situações de extrema alegria e conforto e com acontecimentos de pura tristeza, dor e desconforto! Estar em um ambiente como esses quase todos os dias da nossa vida, nos exige um controle emocional muito alto, além da capacidade intelectual de operacionalizar condutas em tempo hábil!

Vamos por partes. Hoje falei apenas uma introdução. Posteriormente falarei da UTI enquanto profissional... e quem sabe,um dia compartilho meu testemunho enquanto paciente de uma UTI, visto que já estive em um daqueles leitos, por intermináveis quatro dias!!!

UTI: LUGAR DE VIDA... SOBREVIVÊNCIA... MORTE... HUMANIZAÇÃO... ESPERANÇA... CONFORTO... LUTA PELA VIDA... CONFRONTO COM A DOENÇA...VITÓRIA SOBRE A DOENÇA... RESIGNAÇÃO...

LUGAR DE PASSAGEM...