segunda-feira, 23 de agosto de 2010

HANNAH ARENDT: governo com terror


A teórica política Hannah Arendt, nascida de uma família judia, na Alemanha, na cidade de Hannover, em 1904, muitas vezes conhecida como filósofa política, foi grandemente influenciada pelo filósofo M. Heidegger, na época da Universidade de Marburg, com quem se relacionou não só no campo intelectual, mas também no afetivo. Posteriormente, na Universidade de Heidelberg, K. Jaspers, orientador da sua tese de doutorado, também exerceu forte influência sobre a vida e obra de Hannah Arendt.

A obra política-filosófica de Arendt, reflete o contexto social em que viveu, partindo da ótica da política como referencial e, como mulher, fugiu à regra do tradicionalismo do cenário filosófico e do engajamento político ser demarcado pelo sexo masculino. De fato, como mulher e judia, viveu o Estado totalitário e o monopólio do medo, quando houve a ascensão dos nazistas ao poder e da perseguição aos judeus na Alemanha, o que a fez emigrar, definitivamente, para os Estados Unidos.

A sua produção intelectual foi influenciada pela concepção de Estado Moderno de Max Weber, que preconizava o uso da força física no monopólio do poder. Desta forma, a obra de Arendt concede um rico panorama sobre a implantação e organização totalitária, a sua propaganda, o modo como manipula as massas e se apropria do Estado.

É importante ressaltar que, mesmo sendo adepta da concepção weberiana de Estado (monopólio do uso da força), Hannah acreditava no princípio da banalidade do mal, o qual, preconizava a disseminação do terror e medo por agentes burocráticos, designados para torturar e matar impiedosamente.

Para Arendt, o princípio do medo anula a esfera política, ou seja, o terror paralisa a ação política, as discussões e as vontades humanas de querer mudar a sua realidade política, o que inviabiliza a sua própria condição humana.

Os movimentos do totalitarismo político ocorreram no contexto histórico da ascensão dos nazistas ao poder na Europa e, conseqüentemente dos seus representantes, Hitler e Stalin.

Com a ascensão de Hitler ao poder, os judeus já não ocupavam mais posições nos bancos alemães e, eram então, o alvo do terror dos nazistas. Por sua vez, os judeus, perdiam o seu valor, por serem vistos como aqueles que não possuíam raízes em nenhum país e nem pensavam em outros interesses políticos, mas sim nos particulares.

É importante destacar que tomar o povo judeu como vítima do medo e terror, não foi uma atitude impensada ou sem planejamento, mas decorreu de uma estratégia política, que serviu sob medida para a determinação do totalitarismo, o que só seria possível com a aprovação da maioria, do medo e terror, como estratégia de controle político.

Em suma, os grandes ditadores legitimados pelas multidões, tinham a autorização da maioria de agir com o uso da força e do mal, consideradas ferramentas políticas eficazes para o monopólio do poder e o controle das populações em massas, empolgadas pelas demagogias sedutoras dos donos do poder.

Ainda, é relevante ressaltar que os nazistas ascenderam às posições de comando na Alemanha, com o apoio majoritário da população em massa. Por sua vez, os seus comandantes, principalmente Hitler e Stalin, utilizaram a propaganda como meio de difundir o mal como um atrativo sedutor, fazendo com que, as massas pudessem confiar e dar crédito aos nazistas, pressuposto indispensável para a manutenção destes no poder.

Faz-se fundamental a ressalva de que totalitarismo surgiu por meio de mecanismos como a polícia, a propaganda e o terror, considerados como o tripé orientador do totalitarismo, e não, por meio de um golpe de um ditador desenfreado.

Desta forma, o desenvolvimento do Estado-nação está intrinsecamente relacionado ao anti-semitismo moderno, o qual banaliza atitudes cruéis, através de assassinos que matam impiedosamente, com o único objetivo da concretização da conquista nazista ao poder totalitário.

A consolidação dos regimes totalitários se deu pela sustentação do apoio das massas. Por sua vez, os elementos principais do projeto de regime totalitário tinham pressupostos como utilizar o terror como meio de disseminação do medo e dor, transformar classes sociais em massas e promover movimentos de massas, bem como transferir o poder do exército para a polícia.

Assim sendo, a prática do terror, assumiu a forma política e ideológica do regime totalitário, o que permitiu com que os grupos opressores agissem sem impedimentos, já que o princípio do medo neutralizava a ação política dos homens.

De acordo com Hannah Arendt, o terror não poderia apenas ser considerado uma disseminação do medo, mas um instrumento político, que determinava a forma de governo dos que mandavam aos que obedeciam, ou seja, com a aprovação das massas. Desta forma, o medo, como principal ferramenta do totalitarismo, anulava a participação e a crítica, bem como a ação política dos homens. Assim, a legitimidade do poder dos líderes no regime totalitarismo foi marcada intensamente pelo apoio das massas.

A crítica da razão governamental totalitária de Hannah Arendt ainda é pertinente na atualidade, tomando como exemplo, os genocídios, a acumulação de refugiados e outras questões contemporâneas. Para estas indagações atuais, vale ressaltar que a obra de Hannah Arendt, deve ser consultada como fonte clássica dos grandes fenômenos da filosofia política.

REFERÊNCIAS:

ALBINO, L. Hannah Arendt: O terror como forma de governo. In: BARROS, V.S.C.; ALMEIDA FILHO, A. Novo Manual de Ciência Política. 1. ed. Malheiros Editores, 2008.

ARENDT. H. Origens do totalitarismo. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/marcos/hdh_arendt_origens_totalitarismo.pdf. Acesso em: 07/2010.

FÉLIX, L. Hannah Arendt: No murmúrio da multidão, a consciência adormece. Conhecimentos sem fronteiras: artigos de filosofia. Disponível em: http://www.esdc.com.br/CSF/artigo_Hannah_Arendt.htm. Acesso em: 07/2010.

PERISSINOTT, R.M. Hannah Arendt, poder e a crítica da “Tradição”. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ln/n61/a07n61.pdf. Acesso em: 07/2010.

JEAN BODIN: conceito de soberania

Jean Bodin (1530-1596) foi o principal responsável pela formulação do conceito de soberania, o qual foi de fundamental importância na afirmação dos princípios da territorialidade da obrigação política, da impessoalidade do comando público e da centralização do poder. O Autor utilizou o conceito de soberania tanto para definir o Estado quanto para justificar a legitimidade do poder sobre os indivíduos. Assim, definiu soberania como o “poder perpétuo e absoluto de uma República”.

É importante destacar que o contexto histórico da vida de Bodin, foi marcada por guerras religiosas na França entre católicos e protestantes, também por conflitos sociais e políticos. Escreveu obras consideradas relevantes para compreensão das leis e das instituições jurídicas, bem como os fundamentos sociais e políticos que regulavam a vida dos diversos povos da época. Entre estas, destacaram-se o “Método para a fácil compreensão da história” (1566), “Os seis livros da República” (1576) e “Disposição do direito universal” (1578).

Na obra “Método para a fácil compreensão da história”, Bodin considera a existência de três normas: a lei moral, a qual o próprio indivíduo aplica à sua vida; a lei doméstica, a qual deve ser exercida dentro da família; e a lei civil, a qual regula as relações entre várias famíias, sendo esta a mais importante, uma vez que trata-se da norma suprema tanto para prescrição quanto para proibição.

A lei civil descrita por Bodin, foi dividida em três partes: comando, deliberação e sanção. O comando se manifestava especificamente em ações que expressavam os direitos do detentor da soberania, o que lhe permitia ter condições para governar a República.

Neste sentido, é importante lembrar que Bodin definiu a República, como “o justo governo de várias famílias e do que lhes é comum, com poder soberano”. Para ele, esse governo deve usar um bem comum, ou seja, uma finalidade moral, reproduzindo assim, o pensamento de Aristóteles. Ainda de acordo com o Autor, as leis comuns às mesmas famílias são regidas pela República, pelo poder da República.

Retomando o conceito de soberania de Bodin, como o “poder perpétuo e absoluto de uma República”, pode-se destacar dois atributos da soberania: o caráter perpétuo e o caráter absoluto.

Quanto à perpetuidade, um Estado ou a república não poderá ser soberana, se esta for limitada pelo tempo. É mais um atributo do Estado do que do rei, mas ele defende também uma monarquia hereditária.

Quanto ao absolutismo, outro atributo da soberania, existem quatro características principais: Superior, onde o detentor do poder soberano não pode estar submetido ou numa condição de igualdade em relação a outros poderes; Independente , onde o detentor do poder soberano tem plena liberdade de ação; Incondicionado, na qual o detentor do poder soberano está desvinculado de qualquer obrigação; e Ilimitado, onde é lícito afirmar que a própria idéia de limitação é incompatível com o poder soberano. O poder soberano é ilimitado em relação às leis civis. Para Bodin o poder é ilimitado para o direito positivo, mas limitado ao direito natural.

Para que a identificação do verdadeiro soberano seja indubitável, Bodin, enumera os direitos da soberania: Poder de legislar sem os consentimentos dos súditos e sem reconhecer poder superior; Declarar a guerra e fazer a paz; Instituir os funcionários públicos; Estabelecer a unidade de medida e o valor da moeda; Impor taxas e impostos ou isenções; Ser a ultima palavra em qualquer assunto; e Outorgar vantagens ou imunidades.

Vale ressaltar que o Primeiro direito, o de legislar sem os consentimentos dos súditos e sem reconhecer poder superior é considerado o de maior importância, pois a partir dele, todos os demais são definidos, apresentados como uma decorrência desse poder de dar a lei.

Ainda que a Soberania tenha caráter perpétuo e absoluto, é cabível destacar que o seu detentor não possui um poder arbitrário, que não conhece limites. Assim, o soberano está submetido às leis divinas, naturais e certas leis humanas comuns a todos os povos.

Para Bodin, o detentor da soberania deve se inspirar na lei divina para criar a lei civil. A lei divina apresenta-se como uma lei eterna e imutável, expressa na vontade e sabedoria de Deus, o qual é responsável pela criação e conservação de todas as coisas. Antes de tudo, o soberano é considerado um súdito de Deus, e por isso, não pode transgredir a lei divina, e sim, observá-la continuamente no exercício do seu poder. Como exemplo, podemos citar o Respeito à propriedade privada (que é um direito natural do homem) e o respeito aos contratos (principio inerente ao direito natural), no qual os contratos devem ser cumpridos. Em suma, tanto a lei divina, quanto a natural expressam a vontade de Deus, diante das quais o poder soberano deve estar submetido.

Bodin não esclaresce quais são as “Certas leis comuns a todos os povos”, nem comenta a respeito dos seus conteúdos ou suas esferas de ações, porém é possível especular que elas representavam certos princípios jurídicos, que caso fossem contrariados, colocariam em risco a própria soberania, como as leis fundamentais que conservam e mantém o estado da República.

Assim, o detentor do poder soberano, deve ter respeito à Lei Sálica (lei de sucessão ao trono) a qual é considerada irrevogável, porque assegura a estabilidade necessária, mantém a legítima continuidade do poder, diferenciando o soberano autêntico do usurpador.

Ainda, o detentor do poder soberano, deve ter respeito ao tesouro público, onde o mesmo não deve se servir de dinheiro público, englobando as propriedades públicas, as rendas recebidas sob as formas de tributos ou confiscos.

Desta forma, o poder soberano é exercido dentro do direito positivo, onde o soberano é de fato, considerado absoluto, já que é responsável por criar, corrigir, alterar e anular as leis civis de acordo unicamente com a sua vontade. Porém, fora da esfera do direito positivo, o seu poder torna-se arbitrário, sem justificativas para atuar.

Portanto, a partir da obra de Bodin, a soberania tornou-se uma referencia obrigatória nas teorias políticas, uma noção ordenadora, a partir da qual foram discutidas as principais questões jurídicas e políticas, na modernidade.

domingo, 27 de junho de 2010

Direitos fundamentais: “O ABC DO DIREITO COMUNITÁRIO”

A proteção aos direitos fundamentais, considerando os valores fundamentais e ideais dos indivíduos, foi protagonista, por mais de dois séculos, da história da Europa, cabendo ressaltar que os direitos e liberdades fundamentais são firmados e protegidos na maior parte dos países civilizados, a partir da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, no século XVIII.

Os Estados-Membros da União Européia enumeram os direitos fundamentais como ordenamento jurídico a ser cumprido. Em contrapartida, não existiam nos Tratados Comunitários quaisquer determinação à proteção dos direitos fundamentais, visto que estes não dispunham de garantias à liberdade individual. Porém, existiram inúmeros acordos internacionais a respeito da proteção dos direitos fundamentais, destacando-se a Convenção Européia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH), o qual reveste-se dos princípios de respeito á dignidade, à liberdade e aos meios de satisfação do indivíduo.

Na Reunião de Cúpula em Copenhague, em Abril de 1978, os chefes de Estado e de Governo dos Estados-Membros declararam oficialmente o compromisso de cumprir, seguir, e respeitar os direitos fundamentais para a Comunidade, enumerados na Declaração do Direito Comum um ano antes. Porém, somente em 1969, o Tribunal de Justiça das Comunidades Européias (TJCE) garante, através de jurisprudência, o ordenamento jurídico dos direitos fundamentais, reconhecendo um regime autônomo de direitos e estabelecendo-os com base nas disposições do Tratado da Comunidade Européia.

O Tribunal designou que inúmeras liberdades, fossem de fato, elevadas à categoria de direitos fundamentais comunitários. Foram estabelecidos como direitos fundamentais, a saber, a proibição de diversas formas de discriminação, baseando-se no princípio da igualdade; também foram fixadas as liberdades quanto à vida profissional, como exercício da atividade laboral e livre circulação, o direito de propriedade, inviolabilidade do domicílio, entre outros.

O Tribunal também preconizou um princípio de grande relevância para o Direito Comunitário, o da igualdade de tratamento, o da proporcionalidade, bem como os princípios gerais do direito administrativo e das garantias processuais dos administrados.

É de fundamental importância ressaltar que mesmo após os esforços do Tribunal em decretar algumas liberdades como direitos fundamentais, o mesmo não tem condições de desenvolver os direitos fundamentais em todos os âmbitos, bem como assegurar a extensão e os limites da proteção desses direitos, julgando situações com generalizações ou diferenciações que lhes são pertinentes.

A alternativa existente para os problemas dos direitos fundamentais na Comunidade Européia, consiste na elaboração de uma Carta de Direitos Fundamentais da União Européia, porém para tanto, faz-se necessárias alterações nos tratados da Comunidade e União Européia e ainda, que haja o Consenso dos Estados-Membros acerca do conteúdo e dos limites destes direitos. Vale frisar que os Estados-Membros ainda permanecem na fase de compromisso geral, acerca da proteção e respeito aos direitos fundamentais da União Européia.

sábado, 23 de janeiro de 2010

ERRAR x APRENDER

Eu não sei se você se recorda do seu primeiro caderno, eu me recordo do meu. Com ele eu aprendi muita coisa, eu descobri que a experiência dos erros é tão importante quanto as experiências dos acertos; Porque vistos de um jeito certo, os erros, eles nos preparam para nossas vitórias e conquistas futuras. Porque NÃO HÁ APRENDIZADO NA VIDA QUE NÃO PASSE PELAS EXPERIÊNCIAS DOS ERROS.

O caderno nos ensina que os erros não precisam ser fontes de castigos. Erros podem ser fontes de virtudes!
Na vida é a mesma coisa, o erro tem que estar à serviço do aprendizado;
Ele não tem que ser fonte de culpas e vergonhas. Nenhum ser humano pode ser verdadeiramente grande
sem que seja capaz de reconhecer os erros que cometeu na vida.

Deus é semelhante ao caderno.
Ele nos permite os erros pra que a gente aprenda a fazer do jeito certo.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

DIREITO x MORAL

Um tema incansavelmente abordado pela Filosofia Jurídica, abrange a questão da relação entre o Direito e a Moral, já que estes, entrelaçam-se e interpenetram-se de diversas maneiras, permitindo uma interminável discussão doutrinária acerca do assunto.

A distinção entre Direito e Moral pode ser entendida por alguns fatores que perpassam esses dois elementos. Primeiro, com relação ao Direito, podemos afirmar que o mesmo é coercível. A coercibilidade é a ação movida pela força, aquela que é obrigatória.

A moral por sua vez, é espontânea e autônoma, brotando de uma consciência coletiva, de ordem voluntária. O direito é obrigatório e heterônomo. A Heteronomia do direito consiste na imposição das regras jurídicas por terceiros, independente da nossa adesão ou opinião.

Para caracterizar conceitualmente o Direito, faz-se indispensável a explanação da Bilateralidade Atributiva, que é a representatividade da relação jurídica entre dois sujeitos de direito, passivo e ativo, que intersubjetivamente podem pretender, exigir, fazer, garantidamente, algo ao outro e vice-versa, perante a Lei, face ao Direito.

É importante ressaltar que a relação jurídica deve ser estruturada dentro de uma proporção que exclua o arbítrio e que represente a concretização de interesses legítimos, segundo critérios de razoabilidades variáveis, em função da natureza e finalidade do enlace. Como exemplo, podemos citar os contratos de compra, venda e seguros.

Analisados estes pontos, podemos então definir o Direito como uma ordenação heterônoma, coercível e bilateral atributiva das relações de convivência, segundo uma integração normativa de fatos, conforme valores.

Podemos apontar objetivamente que o Direito tem coação e visa evitar que se lese ou prejudique a outrem; dirige-se ao momento externo, físico ou ato exteriorizado; impõe deveres e confere direitos, sendo bilateral.

Por sua vez, podemos afirmar indubitavelmente que o campo da Moral é mais amplo; é incoercível; visa à abstenção do mal e a prática do bem; dirige-se ao momento interno e psíquico, impõe deveres, sendo unilateral.

De fato, na vida cotidiana, estamos constantemente cumprindo normas, que visam regular nossa conduta perante a sociedade e até mesmo, frente a nós mesmos. Há normas que somos obrigados a cumprir, ou seja, possuem um caráter imperativo, pois versam sobre condutas consideradas essenciais para o funcionamento normal da vida social. São regras que visam a satisfação do bem coletivo, o equilíbrio das relações humanas e a manutenção da ordem, na esfera comunitária, portanto, não estando sujeitas ao livre arbítrio da vontade individual. Assim, estamos situados na esfera do Direito, considerando que o mesmo impõe regras de conduta que devem ser observadas, valendo-se até mesmo da força coercitiva para assegurar o seu cumprimento.

Entretanto, há preceitos que seguimos livre e conscientemente, tomando-os como valores subjetivos para a satisfação de um bem individual ou para a realização de uma vontade de espírito. Assim, estamos situados na esfera da Moral. Não são regras imperativas, muito menos coercitivas, sendo o seu cumprimento ou não dependente do caráter de cada pessoa. Os valores morais encontram-se dentro da consciência de cada indivíduo, cabendo a este julgar o que considera certo ou errado, tolerável ou intolerável. Porém, ninguém nasce com a consciência repleta de normas ou valores, sendo estes transmitidos da sociedade para o indivíduo. Um dos principais “canais transmissores” destes preceitos é a família que nos ensina desde pequenos quais os limites entre o moral e o imoral. Contudo, como já foi citado anteriormente, depende da consciência de cada indivíduo aceitar ou não estes limites, caso contrário, seríamos como cópias dos nossos pais. É por isso que os valores morais variam de sociedade para sociedade e de época para época.

Desta forma, é importante ressaltar que a imperatividade, com efeito, é uma das balizas que nos permitem visualizar uma diferença entre as regras morais e as normas jurídicas. No caso da moral, a aceitação destas normas fica a cargo da consciência de cada indivíduo, enquanto que, na seara jurídica, há uma força externa que nos compele a obedecê-las.

Porém, o problema da diferença entre a Moral e o Direito não é tão simples quanto parece. Para Maria Helena Diniz, é na questão do autorizamento que reside a principal resposta para essa discussão. A norma jurídica é a única que concede ao lesado, pela sua violação, a permissão para exigir a devida reparação pelo mal sofrido. Autoriza o indivíduo prejudicado a acionar o poder público, para que este valha-se até mesmo da força que possui, para assegurar a sua observação. Já as regras morais não possuem tal característica. De fato, ninguém pode mover o Poder Judiciário para exigir que determinada pessoa conceda uma esmola a um mendigo, por exemplo.

É impossível falar da relação entre o Direito e a Moral sem mencionar a “Teoria do Mínimo Ético”, defendida por vários filósofos e doutrinadores do Direito. Tal teoria classifica o Direito como uma parte da Moral, ou seja, os valores jurídicos seriam, antes de tudo, valores morais. O Direito não seria nada mais que um conjunto de normas morais consideradas essenciais para a sobrevivência da sociedade. Desta maneira, apenas alguns valores morais, devido a sua importância, necessitariam de uma forma especial, transformando-se em normas jurídicas.

Cabe agora indagar se realmente o Direito limita-se a abranger regras puramente morais. É óbvio que não. De fato existem normas jurídicas que nascem de preceitos morais estabelecidos pelos costumes de um determinado povo. Mas não seria correto afirmar que todas as leis de uma região possuem conteúdo moral. Basta citar que existem normas amorais (alheias ao campo da moral) que são jurídicas (por ex., as normas de tráfego aéreo), bem como normas que tutelam fatos considerados imorais pela maioria da sociedade e que são, à luz do Direito, perfeitamente legais. É o caso, por exemplo do divórcio. O Direito chega ao ponto de, em alguns países, tolerar o casamento homossexual e a prostituição.

Mesmo com tantos argumentos e teorias sobre Direito e Moral, esta discussão sobre essa relação sempre será inacabada. Devemos, contudo, distinguir esses dois grandes segmentos normativos da vida, porém, sem separá-los em pólos extremos. Ensina-nos com muita propriedade o ilustre jurista Miguel Reale: “Ao homem afoito e de pouca cultura basta perceber uma diferença entre dois seres para, imediatamente, extremá-los um do outro, mas os mais experientes sabem a arte de distinguir sem separar, a não ser que haja razões essenciais que justifiquem a contraposição.”

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

UTI => que lugar é este?

UTI, sigla que significa Unidade de Terapia Intensiva. Vejamos o que podemos apontar sobre esse ambiente, ainda atualmente tão temido pelas pessoas, sejam elas dotadas de conhecimentos científicos ou não.

Unidade de Terapia Intensiva. Segundo o dicionário Aurélio, unidade significa “qualidade do que é um ou único, no mesmo local” e terapia “ tratamento” e intensiva, “que lança mão dos meios importantes, que exige grandes esforços”.

Quando as pessoas ouvem que alguém foi ou está internado na UTI, remete à mente a certeza de que o estado daquele indivíduo é grave ou gravíssimo. Pensa-se logo: "se não tivesse, não precisaria estar em uma UTI!!! E é neste lugar que se “lança mão dos meios importantes e que exige grandes esforços” por parte da equipe multidisciplinar!!!" E nesta mesma hora, vai ao coração a insegurança de que aquela pessoa pode não estar mais conosco a qualquer momento.

Nós que trabalhamos em UTI, precisamos estar atentos pra cumprirmos o propósito que seguramos no canudo das nossas especializações, o juramento que fizemos nas nossas graduações!!! E falando em trabalhar em UTI, será que nós neste lugar, realmente lançamos mão dos meios importantes pra aquela vida? Naquele momento, quais são os meios mais importantes pra aquele paciente, enquanto indivíduo? E ainda, será que neste lugar, que rotineiramente estamos inseridos como se fosse nossa segunda casa, damos o melhor de nós mesmos, oferecemos os nossos melhores e maiores esforços em prol do bem daquele indivíduo?

Não estou falando apenas de procedimentos técnicos, terapias, exames, medicações, suporte nutricional, assistência fisioterapêutica, ou procedimentos rotineiros de cuidados pessoais. Estou me referindo a atenção, carinho, compreensão, cuidado, amor, respeito e sobretudo, valorização daquele indivíduo como um ser e não como um órgão, uma patologia ou quem sabe várias patologias ou um número de leito. Será que os profissionais de UTI têm essa consciência e desenvoltura na aplicabilidade da sua rotina de trabalho?

O paciente de UTI é aquele que de fato pode estar grave, devido às mais diversas alterações que podem ocorrer nos seus sistemas orgânicos, mas pode estar consciente, acordado, orientado e vendo tudo o que se passa ao redor daquele Box em que está restrito ao leito. E o que será que se passa na mente desse paciente, que não sabe as horas, não sabe se é dia ou se é noite, não vê o sol, ou a lua, ou o mar, ou as árvores, mas que escuta o ruído sonoro dos aparelhos que o cercam 24 horas ininterruptas, já que está sendo monitorizado intensivamente? Na verdade, escuta os alarmes sonoros de todos os pacientes que estão à sua volta, sejam 5 ou 10 indivíduos que estão ali ao seu redor... os quais não sabem nem o nome, nem de onde vêm, nem o que tem e que nem vão se conhecer... por vezes, pacientes batalhadores pela vida, passam lado a lado, Box com Box, lutando meses a fio e nem sequer sabem que têm companheiros de guerra pela vida.... É importante lembrar que todos estão ali de passagem. A UTI é um local de passagem!!!

Os pacientes chegam e saem, dentro de um determinado período de tempo, podem chegar e passar apenas um longo dia, ou intermináveis meses. Chegam graves e são trazidos de volta à estabilidade clínica, ou chegam graves e partem pelo chamado imediato de Deus. Ou ainda há aqueles que chegam instáveis, lutam com todas as suas forças, nós que trabalhamos em prol da sua recuperação, lutamos com todos os nossos esforços pessoais e profissionais, bem como lançamos mão de todos os meios que temos e julgamos importantes pra o reestabelecimento da condição clínica daquele paciente, e eles são irrevogavelmente chamados por Deus pra partirem dessa vida pra uma melhor.

Por que estou escrevendo sobre a UTI? Poderia estar escrevendo sobre o Natal, sobre coisas boas, notícias agradáveis mais recentes... Mas quem disse que UTI não é um ambiente em que podemos viver e ver coisas boas? Na verdade, a UTI é um lugar de paradoxos. Inexoravelmente, podemos nos deparar com situações de extrema alegria e conforto e com acontecimentos de pura tristeza, dor e desconforto! Estar em um ambiente como esses quase todos os dias da nossa vida, nos exige um controle emocional muito alto, além da capacidade intelectual de operacionalizar condutas em tempo hábil!

Vamos por partes. Hoje falei apenas uma introdução. Posteriormente falarei da UTI enquanto profissional... e quem sabe,um dia compartilho meu testemunho enquanto paciente de uma UTI, visto que já estive em um daqueles leitos, por intermináveis quatro dias!!!

UTI: LUGAR DE VIDA... SOBREVIVÊNCIA... MORTE... HUMANIZAÇÃO... ESPERANÇA... CONFORTO... LUTA PELA VIDA... CONFRONTO COM A DOENÇA...VITÓRIA SOBRE A DOENÇA... RESIGNAÇÃO...

LUGAR DE PASSAGEM...

sábado, 28 de novembro de 2009

RELAÇÃO JURÍDICA: elementos constitutivos condicionantes

O conceito de relação jurídica perpassa na afirmação de que, antes de tudo, trata-se de uma relação social. Porém, para denominar-se como relação jurídica, a mesma precisa ser especial e não comum.

É importante afirmar que a relação social comum não sofre a interferência do Direito, sendo resultante de uma fato qualquer (não jurídico), onde seus efeitos não têm quaisquer garantias perante a Lei. Comumente, a relação comum pode abranger o plano moral, religioso, exceto o plano Legal. Como exemplo, podemos citar as relações de amizade, namoro e favor entre duas partes.

Por sua vez, a relação social especial, estabelece uma correlação de direitos e poderes, obrigações e deveres, e sempre é originada de um fato jurídico, possibilitando a cobertura das garantias de seus efeitos pela Lei. Como exemplo, podemos citar a relação jurídica proveniente do casamento, já que após celebrado, gera imediatamente direitos e obrigações de ambas as partes, com interferência do Direito.

Faz-se necessário frisar que, a relação jurídica necessita da intervenção e garantia do Direito, para que o mesmo assegure e garanta os efeitos dela resutantes.

A relação jurídica é constituída basicamente por quatro elementos essenciais, sem o quais, não se caracteriza a relação como jurídica. Entre esses elementos, é importante destacar a presença condicionante de dois sujeitos, sendo um ativo e um passivo. O sujeito ativo é o titular do direito na relação jurídica, sendo o credor da obrigação a ser cumprida pela outra parte, que é o sujeito passivo. Este, por sua vez, é aquele que tem por obrigação cumprir o dever em relação ao sujeito ativo, sendo o devedor responsável pelo cumprimento da obrigação principal. Estes sujeitos que compõem a relação jurídica podem ser pessoas físicas ou jurídicas, não alterando e desfigurando a relação jurídica em ambos os casos.

É válido ressaltar que não existem direitos que não gerem ao mesmo tempo, obrigações e direitos de ambas as partes da relação jurídica, considerando que o sujeito ativo, na qualidade de credor da obrigação principal, pode possuir ainda, outros créditos provenientes de obrigações secundárias da outra parte, bem como deveres para com a outra parte; e que o sujeito passivo, enquanto devedor da obrigação principal, também pode possuir deveres secundários, como também, direitos a serem cumpridos pelo outro sujeito.

Considerando que a relação jurídica é constituída por dois sujeitos, ativo e passivo, trata-se de uma relação intersubjetiva, ou seja, uma relação entre sujeitos de direito, resultante de um fato jurídico, que estabelece um vínculo (jurídico ou de atributividade) entre as partes que impõem direitos e deveres mútuos.

O vínculo jurídico ou de atributividade é aquele que, ainda que o devedor da obrigação jurídica insista em não cumprir com seu dever, garante ao titular do direito, a realização da sua pretensão jurídica, enquanto sujeito ativo, credor da obrigação.

Este vínculo jurídico pode ser representado pelo instrumento que documenta perante a Lei, face ao Direito, a relação jurídica da ação gerada entre as partes, como por exemplo, os contratos, escrituras, recibos, etc.

Considerando que o vínculo jurídico está sempre alicerçado em algo que estabeleça o direto de um sujeito e a obrigação de outro, bem como todos os demais direitos e obrigações secundárias, é importante destacar a existência do quarto elemento que compõe a relação jurídica: o objeto. Este consiste na figura central, em torno da qual, se constitui a própria relação jurídica, sendo o meio pelo qual se almeja atingir um determinado fim.

Isto posto, é importante afirmar que a fonte das relações jurídicas, ou seja, de onde se origina a relação, incorre na própria causa da relação jurídica, podendo ser chamado de hipótese, suposto ou fato jurídico, de acordo com a estruturação de uma norma jurídica. Por conseguinte, o fato jurídico é que dá origem à relação jurídica, sendo um acontecimento que depende ou não da vontade das partes. Portanto, os fatos jurídicos, produzem efeitos jurídicos que ensejam as relações intersubjetivas.

Essas relações jurídicas podem ser absolutas e relativas. Absolutas quando os efeitos das mesmas envolvem todas e quaisquer pessoas que não estejam diretamente envolvidas, ou seja, há a extensão dos seus efeitos para com todos. Relativas quando vinculam os seus efeitos apenas às pessoas diretamente envolvidas na relação.

Dos efeitos dessas relações, estes podem ser imediatos (quando os efeitos da relação jurídica passam a existir imediatamente e instantaneamente) e mediatos, adiados ou diferidos (quando os efeitos da relação jurídica ocorrem de maneira retardativa, ou seja, em um momento posterior).

Ainda dos efeitos, pode-se afirmar que os mesmos são múltiplos (quando a relação jurídica enseja um direito e uma obrigação principal, mas concomitantemente dá origem a outros direitos e obrigações secundários) e exclusivos (quando da relação jurídica decorre apenas um direito e uma obrigação), sendo estes raros, no âmbito jurídico, de acordo com Hermes Lima.

REFERÊNCIA:

SECCO, Orlando de Almeida. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.